COLETIVO DE TERAPIA OCUPACIONAL
Noites de encontro das 19:00 as 21:00, quintas-feiras. Objetivo de ressaltar as singularidades inseridas num grupo organizado. Ouvir, falar e fazer. Atividades. Como desaparecer? Como reaparecer? Como se juntar a grupo? Como romper com um grupo? Grupo aberto, efêmero, intersetorial e interdisciplinar. Espaço democrático, informal e de produção de independência e autonomia. Criação de diários de bordo.
09/09/21
Os fluxos foram refletindo os movimentos das indivíduas, a maioria conhecidas, subjetividades constitutivas de criativas redes de suporte. Satisfatoriamente os materias foram sendo adaptados ao espaço. “Como desaparecer?”, sugeri que nos apresentássemos a partir da pergunta. Ressaltei a importância de utilizarmos os materiais para fazer registros do encontro. Papéis, canetas, telas, lápis, tintas, carvão. Mergulhamos juntas nas mais profundas águas de Kalunga. O questionamento sobre como desaparecer correspondeu ao silêncio, através daquelas que não se apresentaram, tanto quanto atravessando os mais poderosos discursos. Como ser uma jovem travesti negra no Rio de Janeiro e viver no dilema da vontade de se tornar invisível por conta do assédio e violência, assim como a necessidade de aparecer, ver e ser vista, olhar e ser olhada, amar e ser amada. Viver no caos fascista e genocida nos expõe as mais radicais situações de vulnerabilidade. Repensar as respostas e tentar sentir como nossos discursos precisam ser cuidadosamente canalizados com o objetivo de fortalecer as nossas interlocutoras. O silêncio também apareceu como resposta para aquelas que concordam que ouvir é bom caminho quando em uma convivência entre pessoas. Ouvimos sobre como é ser uma mulher negra e gorda, artista e terapeuta ocupacional em uma estrutura que produz marginalização e extremamente violenta. Me surpreendi com as ramificações interseccionais entre as corpas que ali estavam. Encontros e desencontros de discursos e massas corpóreas. Quando se há oportunidade de elaborarmos juntas um dispositivo informal de cuidado, a demanda geral pela retomada dos circuitos de fazer coletivo e de geração de presença. A atenção aflorada e a flexibilidade foram recursos indicados para que fosse possível mediar o grupo, em algumas vezes me percebi dispersa por estar com a lanterna muito próxima, no entanto ao tomar consciência do indicado desabrochar do foco em um multiverso de possibilidades de fazer, falar, sentir, escutar, se mover, se gestualizar, se vestir. Com as densas apresentações, nos dispersamos coletivamente e por alguns instantes importantes e nos aproximamos descoladamente do dito de estar em interlocução com todas as pessoas, nos ramificamos, diferentes grupos se organizaram fluidamente pelo espaço, de dentro para fora, de fora para dentro. Senti a intuição de nos enlaçarmos novamente numa composição de encerramento daquele primeiro dia, noite escura e de raios e trovões. Chuva. Agradecimentos abundantes e prósperos. Em imaginação aflora e a realidade nos inspira a mover. Não há como ficarmos parados em meio ao desmantelamento das estruturas de convívio social e catalisação da produção de saberes populares e descentralizados. Propus que organizássemos o espaço, nos despedimos e até quinta-feira que vem. Agradeço aos Erês, Pomba Giras e Eguns.
15/09/21
Comecei observando os trabalhos da semana anterior, reencontrar os vestígios uma semana após o encontro, tirei fotos e reorganizei espacialmente os rastros de cada presença que ali começou a transicionar. A transição aqui é a travessia ENTRE cada encontro. Estava com a intuição de fazermos juntes os exercícios respiratórios e gestuais do livro do Mago Jefa. A magia do verbo e a força das palavras. ‘Como desaparecer?’ Disseram sobre a importância da introdução para que a submersão na prática fosse possível. Os exercícios percorrem o encontro entre vogais e consoantes e assim nos propõe inspirações e expirações com a consciência que o AR é energia vital e nos vivifica. Oito segundos aspirando, quatro segundos retendo o ar e mais oito segundos emanando o ar vocalizando sequências sonoras. Essas frequências criadas pelo ressoar dos nossos corpos como instrumentos sonoros proporcionam um intenso mergulho coletivo e subjetivo ao mar de possibilidades que a experiência sônica, invisível e perecível nos faz transcender. As corpas se movimentam no espaço do Oriente ao Leste, de pé e joelhos dobrados, a respiração e os gestos nos transformam em dispositivos produtores de saberes de experiências sonoras que cuidam de diferentes planos das nossas existências: mental, físico, espiritual. Conseguimos fazer a prática do início ao fim. Tivemos um breve momento de silêncio. Diversas pessoas falaram sobre como a prática havia atravessado suas corpas. Algumas delas disseram sobre terem dificuldade de materializar em palavra os efeitos da intervenção. Intensidade em lidar com o desconforto de se propor a visceralidade da respiração e gestualidade consciente. Também trouxeram sobre a linearidade da sequência e que sutilmente sem saber como, nós nos imergimos nas águas de Kalunga. Como reaprender a respirar após a pandemia de COVID-19? Como respirar coletivamente? Como compreender e se sincronizar com as respirações singulares que encontramos pelos caminhos? Um artista levou um fazedor de bolhas de sabão, fez durante a semana que se passou após o primeiro encontro. Além de ter feito uma linda ilustração para mediar as reflexões que estava retomando. A partir da analogia com as bolhas de sabão, uma circunscrição delicada e translúcida, capaz de criar um globo de ar, frágil e reflexiva ao seu ambiente que à contorna. Bolhas voaram pelos ares. Surgiram registros sobre a pele, sobre a morte, sobre o excesso e falta de sentido. A chuva caia lá fora, lá dentro quentinho pela energia criativa capaz de fazer funcionar circuitos contínuos de formação e de se comunicar. Comunicação que se dá ao respirar, olhar, se mover, falar, dançar, desenhar, pintar, ler, escrever. Como reaparecer parece ser possível a partir das diversas formas e recursos de expressão. Importante uso dos materiais e da interlocução entre arte e saúde como técnicas de subjetivação.
23/09/21
‘Como se juntar a um grupo?’ Comecei a
conversar com as pessoas que ali estavam. Bruxa Cósmica apareceu, a professora
Victória! Perguntei para ela sobre a dinâmica de trabalho dela, quantas pessoas
ela estava disposta a mediar. Demonstrei meu interesse para que fizéssemos a
articulação de nos juntarmos, expliquei um pouco sobre a proposta. Ela disse
que precisava falar com o Tito, responsável pelo espaço Mova (escola de dança
onde a Despina estava sediada na época). Garantiu que se houvesse a
possibilidade, ela me falaria. Confiei! Fui para o mezanino no andar de baixo
para receber as pessoas que estavam chegando para o coletivo. Precisei guardar
segredo da possibilidade enquanto aguardava chegada de mais pessoas. Enquanto
isso, começamos a lidar com os materiais e produzir registros. Ouvimos algumas
músicas da minha playlist. Nesse terceiro encontro mais corpas estranhas se
juntaram a nós, variando o público e as interseccionalidades presentes. A partir
do momento que percebi que poderíamos nos juntar à aula, nos encaminhamos para
a VOGUE CLASS, introduzi a questão Como se juntar a um grupo? A partir da
mediação da Victória na aula. Todes toparam. Subimos. Fomos recebides com calor
e glamour das meninas que ali estavam. NEW WAY era o estilo proposto para que
nos movêssemos através dos gestos com os braços, trabalhando ângulos e poses
que transcendem a bidimensionalidade do gesto chapado. Nos vimos através do
espelho e as muitas corpas que ali estavam. Conseguimos nos introduzir aos
movimentos. Foi uma breve e intensa aula, reavivamos energias que eu estava com
saudade de sentir. Ball Room é vida. Ver tantas pessoas queridas florescerem
diante dos nossos olhos, amores dançantes, tomando corpo e espaço, passando os
gestos umas para as outras. Nos movendo com confiança. Vontade de seguir
dançando. Foi uma experiência exitosa de adentrar o grupo. Uma VITÓRIA. Lindo
de se ver, gostoso de sentir, despertou a vontade de nos abrir diante uma das
outras. Finalizamos e voltamos para o mezanino e ali fizemos alguns registros
sobre a experiência e os saberes de experiência.
30/09/2021
Hoje 03 de outubro de 2021 voltei à Despina para recolher os materiais e os registros produzidos nos últimos quatro encontros do Coletivo de Terapia Ocupacional. Na quinta-feira nos perguntamos ‘Como romper com um grupo? ’ Pensamos que romper pode ser substituído por ressignificar, transformar, refazer.... Estendemos os trabalhos por todo o mezanino com fio de nylon e pregadores de ferro. Criou-se um ambiente onde a circulação se deu através dos varais. Precisamos sentar no chão. Espalhamos velas pelo ambiente, iluminação baixa. Iniciamos um jogo coletivo de tarot (baralho cigano clássico, Lenormand), entre cristais, moedas e água. Cada pessoa tirou uma carta que nos conduziu a perceber o enredo da história. Abrimos com a carta do urso e fechamos com a carta da árvore. Hibernar e florescer. As pessoas foram se ausentando aos poucos. Os rompimentos, as transformações e as despedidas se deram sutilmente. Cada pessoa no seu tempo e sentimento. Fomos e somos guiadas aos encontros e desencontros da vida. Os afetos ficam, as entrelinhas criam entrelaço. Ser e transforma-se a partir das nossas possibilidades e dos nossos desejos. Fecho esse ciclo com amor e calor. Solitude brilha. Propor um grupo de quatro encontros sem premeditar como eles se darão. Confiar nas questões disparadoras que nos levam a fazer uma organização capaz de influenciar outras pessoas a se conectarem e a deixarem rastros de saberes produzidos em experiências. As criações são múltiplas e diversas em suas qualidades. É fundamental uma variedade de materiais à disposição. Assim como a atenção plena e disposta ao encontro. O objetivo é criado no encontro e a confiança em nossas redes de suporte é essencial. Como se não houvessem limites impostos, as corpas ressoam histórias e sentidos autênticos frutos das empíricas singularidades vivas e conscientes da potencialidade gerada pela presença. Afetivamente nos colocamos no lugar das outras pessoas, percebemos nossos desejos, buscamos lugar no agrupar. Encontrar apoio e segurança meio ao caos. Confiar e ter coragem capacita nossas existências para a mediação entre mundos antes inexistentes, daqueles únicos que só percebemos após acontecido. A vida nos surpreende com a intensidade das transformações que acontecem diante dos nossos olhos. Nossas corpas falam. Somos capazes de refazer nossas vidas quando estamos inseridas em contextos de cuidado e criatividade. Sem limitações entre a vida a criação, nos percebemos entre pares. Conviver é produzir cuidado. Presença é fundamento. Escutar é vida. Vida é se expressar.
Sabine Passareli
EVARISTO,
Conceição em Escrevivência: a escrita de nós : reflexões sobre a obra de Conceição
Evaristo / organização Constância Lima Duarte, Isabella Rosado Nunes
ilustrações Goya Lopes. -- 1. ed. – Rio de Janeiro : Mina Comunicação e Arte,
2020.
BRASILEIRO,
Castiel Vitorino. Devorações: descolonizando corpos, desejos e escritas.
Castiel Vitorino Brasileiro (Organizadora). 1 ed. Vitória, 2018.
EL-WARDANY,
Haythan. How to disappear. 4 ed. Cairo/Berlin: Sternberg Press, 2018.
LORDE,
Audre [1934-1992]. Entre nós mesmas: poemas reunidos / Audre Lorde; título
original: between ourselves; From a land where other people live; Chosen poems
old and new; tradução Tatiana Nascimento, Valéria Lima; prefácio Cidinha da
Silva. 1. ed. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2020/224 p.
MECCA,
Renata Caruso. Experiência estética na terapia ocupacional em saúde mental:
gestos na matéria sensível e alojamento no mundo humano.1 ed. Editora CRV,
2015.
MARTINS,
Leda Maria. Performance do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de
Janeiro: Cobogó, 2021.
MOMBAÇA,
Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.